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Podcast com o professor Benedito Fonseca: perspectivas e pesquisas entre USP e Yale

Neste podcast, a jornalista Estela Cangerana entrevista o professor doutor Benedito Fonseca. O professor Benedito é graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em Epidemiologia e Saúde Pública pela Universidade de Yale e PhD em Virologia Molecular também por Yale. É professor associado da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, co-fundador e diretor para o Brasil da parceria entre USP e Yale para Global Health, e tem uma extensa trajetória na pesquisa de doenças infecciosas e parasitárias, em especial dengue e zika. Atualmente, ele ainda coordena linhas de pesquisa e serviços de enfrentamento da pandemia de COVID-19 no Brasil.

O senhor costuma dizer que a ida para Yale foi um grande divisor de águas na sua carreira. Quais foram as principais mudanças, em termos de oportunidades que se abriram e perspectivas?

Olha, na verdade o que aconteceu foi que eu fiz Medicina e depois residência em infectologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP em São Paulo, e eu era basicamente um clínico. Quando apareceu a oportunidade de fazer um mestrado na Universidade de Yale em virologia, eu fui exposto naquele momento aos maiores pensadores em virologia e doenças virais transmitidas por artrópodes. Isso me deu uma bagagem em investigação científica que eu não tinha. Durante os sete anos que passei na Universidade de Yale fazendo mestrado e doutorado, o aprendizado diário foi de extrema valia. Isso fez que, quando eu voltasse ao Brasil, pudesse instituir linhas de pesquisa aqui na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP para investigar as doenças que eu tinha entrado em contato mais diretamente durante a minha estadia em Yale, que foram as doenças transmitidas por artrópodes, mais particularmente dengue, que se tornou o carro chefe das pesquisas que faço em Ribeirão Preto. Então eu considero que, do ponto de vista acadêmico, foi de extrema valia o tempo que eu passei em Yale e com as mentes brilhantes que eu tive contato lá.

Obviamente, existe o lado pessoal, da gente aprender a lidar com pessoas de outra formação, de outro background, em outra língua. Tudo isso traz um engrandecimento pessoal muitas vezes difícil de ser avaliado em toda a sua totalidade.

O senhor mantém até hoje um contato próximo e parcerias com Yale, trabalhando em um ambiente diverso, com profissionais de diferentes realidades e bagagens. Quais ganhos esse tipo de intercâmbio internacional traz para os projetos conjuntos e para o avanço da pesquisa científica?

É extremamente importante porque a gente consegue fazer alguns experimentos que não teria a facilidade de fazer aqui, ou mesmo a gente consegue aliar algumas expertises que profissionais na Universidade de Yale têm e que nós não temos, e esses projetos são feitos em cooperação, sendo que alguns experimentos são feitos na Universidade de Yale e outros são feitos aqui.

Mais recentemente tivemos colaborações com alguns pesquisadores, no sentido de produzir uma vacina para dengue, que usa um vírus, que é o da estomatite vesicular, para expressar algumas proteínas de dengue. Tem um trabalho de epidemiologia molecular, em que nós, através de avaliações de várias amostras de dengue coletadas aqui Ribeirão Preto e em outras partes do Brasil durante vários anos, conseguimos mostrar a evolução desses vírus durante todo esse período.

Então, essas são algumas das situações em que a gente pode fazer a colaboração e que trouxeram também um aprendizado muito grande para mim e para os meus alunos, porque muito desses trabalhos são baseados em alunos, e muitas vezes até com intercâmbio. Os alunos vão para Yale e ficam um tempo lá para aprender algumas técnicas e depois voltam para instituir essas técnicas aqui para o Brasil. 

E do ponto de vista pessoal, eu ainda realmente mantenho um contato muito próximo com Yale porque eu fiz vários amigos, pessoas que eu realmente gosto muito e é bom voltar para revê-los.

O senhor é responsável pela parte brasileira da parceria USP-Yale para Global Health. Como funciona na prática esse intercâmbio?

Na verdade, quando nós começamos, a ideia era implementar um programa em que houvesse um intercâmbio de estudantes ainda maior do que a gente já tinha, e que esse intercâmbio pudesse realmente trazer um aumento nas parcerias dos pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto com os pesquisadores da Universidade de Yale. Esse programa esteve bem ativo – obviamente não nos dois últimos anos por causa dessa pandemia – e também nós estamos procurando financiamento para que ele continue. Mas foi extremamente produtivo. Todos os alunos que foram para esse programa voltaram com ideias novas, diferentes, muitos deles hoje estão fora do País, trabalhando em instituições no exterior, devido em parte à experiência que eles tiveram durante o intercâmbio nesse programa.

Que projetos em conjunto o senhor destacaria?

Os dois mais recentes são bem interessantes. Um foi esse que eu mencionei aqui, a gente fez uma vacina para a dengue 2, cujo vetor de imunização foi o vírus da estomatite vesicular, e o outro foi o trabalho de epidemiologia molecular do vírus da dengue no Brasil, particularmente estudando o Nordeste e a Região Sudeste.

Eu tive outras participações de alunos que vieram aqui em Ribeirão Preto para fazer um estudo de georreferenciamento das infecções para determinar alguns hot spots de transmissão. A gente teve outros estudos, por exemplo, de Entomologia em que o aluno veio pra cá e ele coletou amostras de ovos do mosquito que transmite a dengue, o Aedes Aegypti, durante a fase em que a doença não é tão prevalente, em que não há muitos casos da doença, o período que a gente chama de inter-epidêmico, e mostramos que, mesmo não tendo a doença, há a circulação, já tem atividade dos mosquitos nesse período. A gente também teve um trabalho um pouco fora do que eu costumo fazer, mas que foi de outro aluno que veio para estudar a adesão dos pacientes infectados pelo HIV à terapêutica antirretroviral. Então foram muitos trabalhos feitos em colaboração. A gente até tem dificuldade de falar de todos, mas é uma parceria que vem acontecendo durante muitos anos.

Por último, gostaria de perguntar quais dicas o senhor daria para jovens profissionais que queiram seguir essa trajetória na pesquisa e internacionalização de suas carreiras?

Eu daria o conselho de: Faça tudo para fazer isso. Porque traz uma experiência, do ponto de vista pessoal, de realmente entrar em contato com outras culturas, e, do ponto de vista acadêmico, traz um engrandecimento muito importante. Então, se houver vontade, e se houver a possibilidade, eu acho que todos deveriam ter essa experiência. E o mais importante, se for possível – e não é porque eu fiz isso –, vá para fora, consiga realmente essa expertise, tenha essa experiência e volte para o Brasil, para tentar estabelecer o mesmo padrão de investigação científica que a gente encontra na Universidade de Yale nos locais em que a gente trabalha aqui no Brasil.